quarta-feira, 27 de abril de 2011

CAP 18

Steve Harris tirou os óculos escuros:

— Pai?

— Não se atreva a me chamar assim — disse John McHurley. — Você não passa de um... de um bastardo.

Steve Harris, antigamente conhecido como Steve McHurley, sabia que o pai não aprovava a fuga de South Lake, mas organizar uma manifestação para o fim do show? Era demais. Quem John McHurley pensava ser?

— Eu sou o homem que vai dar fim a essa lavagem cerebral — disse McHurley sacudindo a tocha.

— Você não vai levar nenhum jovem de South Lake pelo caminho do mal.
Steve Harris pulou do palco acompanhado por Henry Salt e Joe Barry. Duas frentes se formaram: a dos caipiras e dos roqueiros. A coisa ia esquentar. Miles procurava uma forma de sair do clube. E a loira de Other Lake sacudia os peitos reclamando:

— Caipiras cretinos, quero a grana do ingresso de volta. Em Other Lake isso jamais aconteceria.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

CAP 17

Que diabos eu estava fazendo dentro do clube? Era quase hora da garota azul sair do lago. Empurrei dois caipiras. Senti no ombro a mão pesada do segurança baixo. Consegui me livrar e corri. As copas das árvores inclinavam os troncos, as nuvens se aglomeradas. No centro do lago, a lua mostrava borbulhas ainda mais fortes do que na noite anterior. Petrifiquei ao ver os cabelos vermelhos emergirem. E os braços finos, os seios pequenos, as coxas. Maldição! A pele azul estava ainda mais bonita. Como se retocada para uma grande festa. A minha grande festa. Ou não. Os olhos apontavam na direção do clube. Passou ao meu lado sem nenhum toque. Deixou apenas o perfume de margaridas.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

CAP 16

Ajeitei o boné e fui por entre as árvores conferir a discussão. Na porta do clube, McHurley comandava os caipiras. Dois seguranças bloqueavam a entrada: um, careca, baixo com os ombros largos e barriga de chope; outro da altura a porta, magro e com tranças rastafári pela cintura. Braços cruzados, os dois encaravam McHurley.

— O satanás fala pela boca desses bastardos — Ergueu a tocha. — Essa pouca vergonha tem que acabar. Deixem-nos passar.

Foices, pedaços de pau, machados. Empurra-empurra. Os seguranças não conseguiram conter os caipiras. Após os assobios, ao fim da música, só se ouviu o grito: — Parem essa porcaria — atrás de McHurley, os caipiras formavam uma barreira. Puta gente ignorante.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

CAP 15

Miles apertado pela multidão contra a cerca, olhava os peitos de uma garota de Other Lake. A loira usava uma camiseta com a capa do disco dos Bastardos. O decote em vê improvisado com tesoura confirmava um dos argumentos de Miles para estar no show, garotas sedentas por sexo. O locutor da FM local subiu ao palco:

— Preparem-se, South Lake vai tremer — balançou a mão para o público. — Com vocês, Os Bastardos.

As garotas do gargarejo gritaram histéricas. Os cabeludos do fundo ergueram os punhos serrados. Joe Barry, o primeiro a entrar, batucou a introdução de “ Nas mãos do cramunhão” . Henry Salt surgiu no canto do palco. Sem camisa, cabelo nos olhos martelando o baixo. Baramba-pá-Baramba-pá-Baramba-pá-tchum-tchum-tchum-tchummmm. E Steve Harris cortou o palco castigando a guitarra. O salão do clube sacudia:

Eu vou de carro,
eu vou de caminhão,
pegar a estrada de fogo
nas mãos do cramunhão

quarta-feira, 13 de abril de 2011

CAP 14

Enquanto a multidão dentro do clube aguardava os Bastardos, a lua cheia projetava minha sombra na areia do lago. Meu plano? Fazer tudo igual à noite anterior: no mesmo horário, tocaria a mesma música e a garota azul do lago sairia inteirinha para mim. Ainda era cedo. Acomodei as costas numa árvore e baixei o boné para um cochilo, quando escutei gritos vindos da avenida.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

CAP. 13

Henry Salt voltou do banheiro com a notícia:

— Vai ser uma noite daquelas.

O clube cheio de adolescentes sedentos por rock. Joe Barry aquecia as baquetas na quina da mesa repleta de frutas e toalhas brancas. Jogado na poltrona, perto do espelho, Steve Harris enrolava o cabelo. Fazia questão que fosse um grande show. Precisava mostra àqueles caipiras que fugir de South Lake foi o melhor que fez. Espiou pela janela. Estacionava um ônibus vindo de Other Lake com a faixa: Bastardos é rock.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

CAP. 12

Na primeira fila, os McHurley, os pais de Miles, Tia Ruth e as demais beatas de plantão. A igreja lotada para a estreia do padre. Miles no último banco, próximo à porta. Assim sairia rápido para o show, não fosse a mensagem final do padre:

— Irmãos, antes que sigam para seus lares, gostaria de umas últimas palavras.

South Lake ficara algum tempo sem norte. Porém os tempos de harmonia e paz voltariam a imperar. Para tanto, era necessário expulsar o mal, o câncer que infectava a cabeça dos adolescentes de South Lake. Era imprescindível acabar com o rock’n roll. E o momento ideal para iniciar a virada, todos sabiam: o show dos Bastardos.

O alvoroço tomou a igreja e ganhou corpo na rua com a liderança de John McHurley. Miles correu como uma ema, antes que seu pai aparecesse proibindo o show.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

CAP. 11

Parecia um sábado qualquer. No instante em que o relógio da igreja tocou três da tarde, as pombas voaram. Na praça, um cachorro de rabo pontudo passeava. E a porta da pousada se abriu. Miles ajeitou o boné. Seguiu pela calçada em direção ao Clube. Camisa polo, calças jeans, tênis branquíssimos. Não fosse o bico desgastado, qualquer um diria que recém fora tirado da caixa. Três e cinco vi Miles dobrar a esquina. Eu sempre andava de skate naquela rua, uma quadra antes do Clube. Deslizei na direção de Miles.

— Não vai acreditar — holly sobre o meio-fio. — O italiano ligou de novo pra Tia Ruth.

Apertamos as mãos.

— Quem não vai acreditar é você — Miles pegou o skate. — Sabe quem está na pousada?
Tirei o boné. Cocei a cabeça suada.

— Os bastardos — disse Miles. Embalou o skate. O magricela mal conseguia se equilibrar. — Chegaram pouco mais de meia-noite.

Era de se imaginar, eu disse. A cidade não tinha outra opção de hospedagem. Miles parou.

— Nem parece que Steve Harris foi criado em South Lake — entregou o skate. — Quebrou todo o quarto só por não ter espelho.

Desculpa furada. Eu podia apostar que Steve Haris quebrou tudo só de raiva por ter que voltar à South Lake.

— Que horas vamos para o show? — disse Miles. Embalava o skate de um lado para o outro. — Hoje começa o padre novo. Pensei em sairmos depois da missa.

— Não vou.

— À missa?

— A nenhum dos dois.
Miles perdeu alguns minutos dissertando sobre todo o tempo que esperamos por aquele show. E o tanto de garotas que iriam. E que estariam sedentas por sexo. E que os Bastardos jamais tocariam em South Lake novamente. E que eu deveria ter sido abduzido por E.T’s.

— Acabou? Agora, posso contar um segredo? — eu disse.