terça-feira, 29 de outubro de 2013

Versão completa em pdf

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quarta-feira, 22 de junho de 2011

CAP. 34 - ÚLTIMO

O motor da van ecoava no saguão da pousada. Deixei meu boné com Miles e dei as costas sem me despedir. Na calçada, Lauren pegou minha mochila e abanou para Miles escorado no marco da porta. Entramos na van e Steve Harris tocou o ombro do motorista. Henry Salt e Joe Barry dormiam no último banco. Era uma tarde quente em South Lake. O cachorro atravessava a praça da igreja. Todos trancados nas casas tentavam entender dar alguma lógica aos fatos dos últimos dias. É engraçado lembrar Miles contando por telefone que tia Ruth levou três dias para perceber que eu havia partido de South Lake.

FIM

segunda-feira, 20 de junho de 2011

CAP. 33

— Ei, gorducho — gritou Harris. Acenava com o bloquinho. — A música está pronta, faça Lauren voltar ao normal.

Os olhos do sapão eram duas finas linhas.

— Então cantem. Preciso ter certeza que não se trata de um plágio.
Puxei o ritmo estalando os dedos. Harris cantou.

Os dias passam, horas voam
e os meus problemas estão no mesmo lugar.
Fechar os olhos de nada adianta,
pois na escuridão vão me acompanhar.

Eu sinto a brisa do lago,
o sol reflete em mim.
E os meus problemas
não parecem ter fim.

Acostumei a estar sempre correndo,
em nenhum momento posso me acomodar.
E no embalo eu pulo o muro,
faço um blues pra não me entregar.

Eu sinto a brisa do lago,
o sol reflete em mim.
E os meus problemas
não parecem ter fim.

Ao terminarmos o segundo refrão, o sapão havia dobrado de tamanho. A pele esticada como um balão de aniversário e as esferas dos olhos saltadas do rosto. Eu, Steve Harris e a garota azul olhávamos estáticos para o sapão que retorcia a face tentando falar:

— Ok, vo-cês ven-ce...

Foi pedaço de sapo para todo o lado. Uma gosma verde que cobriu os eucaliptos e tudo mais à beira da praia, inclusive nós três. Num mesmo impulso, eu e Harris nos desvencilhamos da gosma e colocamos as mãos em busca da garota azul. As mãos de Harris descobriram o rosto de Lauren. Tinha a pele tão branca quanto uma pena de pato. Ao abrir os olhos azuis, reconheceu Harris.

— Que zoeira é essa aqui, mocinho?

Abraçaram-se como dois ursos. O jogo estava definido, partiriam juntos pelo mundo de show em show e eu ficaria enterrado para o resto da vida em South Lake. Virei as costas e sai em direção ao clube.

— Onde pensa que vai? — disse Lauren. — Agora somos um trio.

O arco da minha boca deve ter chegado as orelhas. Recebi um abraço de orangotango e o beijo de uma sereia me engoliu da realidade. Quando voltei a mim, alguns caipiras saiam de traz das árvores. Escutei a voz de McHurley gritar:

— Revirem cada metro de praia, o maldito lobisomem tem que estar em algum lugar.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Capa escolhida

Depois de uma grande disputa, no Facebook, a capa oficial escolhida para A Garota Azul do Lago será a de Paulo Feijão.

A capa estará na versão em .pdf que vou disponibilizar aqui no blog quarta-feira (22/06), dia do último capítulo.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

CAP. 32

Miles tremia dos pés à cabeça. Voltei à praia sozinho. A altura do sapo superava os eucaliptos nos quais os caipiras e McHurley buscavam esconderijo. As patas dianteiras tocavam a areia, as traseiras permaneciam na água. Os gomos da pele úmida eram maiores que o Harris.

— Não preciso de suas músicas — disse Harris abraçado à garota azul como se fossem um só. — Deixe a em paz.

Harris estaria disposto a trocar o amor de milhares de fãs por uma paixão adolescente? De qualquer forma, havia apenas uma maneira de quebrar o pacto, disse o sapão. Harris precisava compor uma canção com outra dupla ou a garota voltaria, ao amanhecer, para o fundo do lago.

— Parece piada — disse Harris. — Como compor se todos correram com medo de ti?

— Ei, posso ajudar — gritei.

Steve Harris olhou para trás. O sapo suspirou. Areia e folhas rodopiaram pelos ares. Ajudaria a compor a nova música, mas havia uma condição: a garota azul ficaria comigo em South Lake. Depois de tanto tempo presa ao lago, seria justo que ela escolhesse o próprio caminho, propôs Harris. Ok. Longe do ideal, porém o mais sensato. Harris sacou o bloco e a caneta do bolso interno da jaqueta. Improvisei a melodia de um blues com palavras inventadas, coisa que poderia bem ser javanês ou alguma outra língua ininteligível. Harris acompanhava juntando palavras em busca de sentido. Uns quinze minutos e tínhamos a música.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

CAP. 31

Lobisomem, sapo falante, pacto para o sucesso. Aquilo tudo era demais para minha cabeça. Queria apenas curtir mais algumas noites com a garota azul do lado, poxa. Arrisco a minha vida e a de Miles para pegar o lobão, daí chega o Steve Harris, todo bonitão, e quer a gostosa pra ele. Não era justo, falei. McHurley levantou a sobrancelha.

— Bem, se toda essa história é verdadeira, minha vaca está vingada — disse John. — Desapareça da cidade com essa sirigaita azul.

Steve Harris foi na direção da garota azul. Os caipiras a deixaram passar. O abraço, o beijo, os caipiras olhando a bunda azul. A cena toda me enojava. Chamei Miles para que fossemos embora. Passávamos as primeiras árvores antes do clube, quando o chão tremeu. A voz de Louis Armstrong falou num volume tão alto que ecoou até a praça da igreja:

— A garota é minha, Harris. Você teve o que pediu.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

CAP. 30

— Ali onde está a fogueira, montamos a barraca. O cobertor xadrez que mamãe emprestou cobria Lauren até as orelhas. Acho que o medo de você ou o pai de Lauren descobrir o acampamento me tirou o sono. Peguei o violão e dei uns cinco passos para longe da barraca. Sentei na areia próximo a linha úmida delimitada pelas ondas e comecei a dedilhar. Naquela noite, o céu sustentava mais estrelas do que podia. Um rastro prateado passou longe, em direção a Other Lake. Fechei os olhos e pedi para ser eu aquela estrela. Senti um cutucão no pé. Era um sapo gorducho, do tamanho de uma bola de futebol. Tinha a pele áspera e a voz de Louis Armstrong. Perguntou se eu estaria disposto a esquecer South Lake em troca de sucesso. Apertei a pata do sapão, sair da cidade era tudo o que eu queria. Antes de ir embora, o sapo me acompanhou cantando Sympathy for the Devil. Pela manhã, Lauren não estava na barraca. Voltou para casa com medo de a mentira ser descoberta, pensei. Embaixo do cobertor, apenas uma folha de caderno com a letra de Cemitério Maldito e o endereço da gravadora Metrópole. Parti de South Lake e o sucesso veio no rastro. Outras letras apareceram ao lado da minha cama. Era só empunhar o violão e as melodias surgiam como se uma força maior tivesse as implantado na minha cabeça. Só ontem à noite, em meio à confusão do show, descobri o que de fato aconteceu com Lauren. Estava presa pelo sapo o tempo todo. E por isso estou aqui, para quebrar a maldição e levar Lauren comigo.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

CAP. 29

De um lado da praia, eu e Miles segurávamos os sovacos do lobisomem desacordado. Do outro McHurley, os caipiras e a garota azul do lago.

— Isso só pode ser piada — disse McHurley.

— Capturamos ele no estábulo do velho O’neal — eu disse. Ergui o saco com a estampa vermelha de sangue coagulado para mostrar o formato da cabeça do lobisomem.

— Olho nela — disse Mc Hurleu. — Vou ver de perto essa patuscada.
Outros dois caipiras reforçaram o cerco à garota azul. A bota de McHurley moía a areia enquanto Miles desatava o nó do saco que cobria a cabeça do lobão.

— Por certo o demônio possuiu vocês também — disse McHurley faltando alguns passos para se juntar a nós. — Não pensem que qualquer mentirinha vai livrar a cara da devoradora azul.

— O inimigo estava mais perto do que você imaginava — eu disse. Descobri a cabeça do lobisomem. Na boca aberta de McHurley caberia um ovo de pato. O rosto do lobisomem semi-desmetamorfoseado revelava os traços do humano por traz da criatura. Porém o colarinho rasgado da batina confirmava a identidade do devorador.

— Padre Bianco? — disse John McHurley. — Então que diabos explica essa aberração azul?
Miles e eu nos entreolhamos sem resposta. Uma mão tocou o ombro de John McHurley.

— Pai, acho que eu posso explicar — disse Steve Harris.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

CAP. 28

O tronco de eucalipto serrado ao meio e enterrado um metro na areia formava o centro da fogueira. Ao redor, tocos e gravetos armados desenhavam a base piramidal. Estopas embebidas em querosene preenchiam os espaços entre os tocos e aguardavam o fogo para estalar os gravetos. Um caipira de rosto chupado e braços finos jogava pontas de gravetos na fogueira. Alguns dormiam aos pés das árvores. McHurley caminhava de um lado para outro.

— Que horas são? — perguntou McHurley.

Passava das duas da manhã. Talvez fosse melhor voltar na noite seguinte. Talvez o monstro azul estivesse com a fome saciada. Talvez, se escondera com medo. McHurley encarou o caipira de rosto fino. Coçou a barba.

— Os covardes podem voltar — disse McHurley. — Eu não arredo o pé daqui sem ter tostado aquele couro azul.

Uma rajada de vento derrubou o chapéu de McHurley. As nuvens se aglomeravam sobre o lago, o reflexo da lua mostrava a água borbulhar. McHurley puxou o catarro e cuspiu verde. Os caipiras se postaram junto a John desacreditados no que viam. Com água pela cintura, a garota azul caminhava em direção a areia. McHurley ordenou que acendessem as tochas e seguiu para o canto da praia que a garota azul se dirigia.

— Cerquem a devoradora de vacas.

Os quatro homens mais altos do grupo sacudiram a água com passos rápidos. Cercaram a garota azul apontando tochas.

— Chegou seu fim, filha do satã — gritou McHurley com veia do pescoço exposta. — A fogueira te espera.

— Parem — gritei. — Aqui está o verdadeiro culpado pela morte da tua vaca, McHurley.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

CAP. 27

A vaca dormia encolhida sobre os joelhos. Sem abrir os olhos, espanou com o rabo a mutuca que zunia ao redor das ancas. Cutuquei Miles para mostrar o reflexo da bichana. O fio de saliva corria da boca de Miles até o monte de palha no qual a cabeça se acomodava. Só mesmo Miles para dormir em meio ao fedor de bosta e o calor do celeiro. Mirei a narina direita. Aproximei a palha. Miles esfregou a ponta do nariz. Girei. Sacudiu a cabeça.

— Hein? Onde? Que lugar é esse?

Tapei a boca de Miles.

— Grita um pouco mais alto — sussurrei. — Quem sabe espanta de vez o devorador de vacas.
No meio da frase, um estrondo de madeira. Afastamos o máximo de feno possível. As orelhas pontudas no topo da cabeça e focinho desfiguravam o que poderia ser sombra de gente. As mãos tinham dedos emendados, unhas compridas. Andou na direção da vaca. Desenrolei a corda. Dei uma das pontas a Miles.

— No três, pulamos — eu disse emitindo o mínimo de som. — você para direita, eu para esquerda.

Os olhos de Miles imóveis. Um trilho de suor descia pela têmpora. Um, dois... Acho que o único motivo que fez Miles pular foi o medo de assistir a mutilação da vaca. Os quatro pés tocaram o chão ao mesmo tempo. Nossa surpresa não foi maior que a do lobisomem. Miles segurava firme uma ponta da corda. Olhou pra mim. Eu olhei para o lobisomem, que olhou para vaca. Durante dois segundos, todos estáticos. Desatei a correr. Miles acompanhou no sentido contrário. O lobão mostrava os dentes pontudos grandes como uma moeda de cinquenta centavos. Cinco voltas de corda prendiam os braços junto ao tronco. Apertei o nó. O lobisomem alternava rosnadas e botes. Miles esvaziou o saco de feno escorado na parede e tapou a cabeça do lobisomem. Foram necessárias três pauladas para desacordar o lobão. Só então tivemos tranquilidade para perceber a roupa que usava.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Procuram-se posters

Pessoal,

Infelizmente hoje não tivemos posters, pois acabaram.
Agora se você quiser participar, envie o seu porter de A Garota Azul do Lago para paz.mauro@gmail.com

quarta-feira, 25 de maio de 2011

CAP. 26

A pequena multidão de caipiras passou em frente ao clube e se dissolveu na entrada do mato. Folhas secas e gravetos estalavam. Depois das árvores, o lago chacoalhava manso na areia, enquanto a luz das tochas tingia os troncos de laranja e acendia dezenas de olhos em direção a McHurley.

— Agora é o momento da revanche. Só há um jeito de nos livrarmos do mal —apontou McHurley para o rio à suas costas. — Vamos queimar o monstro e libertar os jovens de South Lake.

Os caipiras ergueram as tochas acima dos ombros brindando a resolução. A lua mostrava um lago prata. Nenhuma nuvem no céu. Estavam dispostos a esperar o tempo que fosse preciso.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

CAP. 25

Quatro tesouras de pau sustentavam o telhado do celeiro. Entre as duas centrais, um estreito forro coberto de feno. Subi a escada de madeira. Miles fez um pêndulo com o braço para atirar a corda enrolada. Uma de minhas mãos segurou a tesoura, a outra varreu o ar para pegá-la. Miles subiu até o último degrau, mas os braços finos não davam conta da última etapa. Puxei-o pelo tríceps até que apoiasse o primeiro joelho no forro. Lá em cima estava quente pra burro, mas conseguirmos ver a vaca por entre o feno ser dar bandeira.

— A bicha é enorme mesmo — disse Miles.

— Ficou interessado?

Miles podia ter me poupado dos detalhes, mas fez questão de contar que barranqueou vaca apenas uma vez, aos onze anos, no sítio do tio. Não fosse pelo fedor de bosta, até faria outras vezes, arrematou.

— Ok. Então, comporte-se, garanhão — eu disse. — Estamos aqui para salvar uma garota inocente, não para traumatizar um animal.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

CAP. 24

Quando passei em frente à igreja, o relógio marcava dez horas. Na praça, o poste iluminava a pequena multidão. John McHurley organizava os moradores. Parei a alguns metros do grupo.

— Assim que Padre Bianco chegar, partiremos para o lago — gritou McHurley. — não podemos deixar que esse monstro azul devore todo o rebanho de South Lake.

McHurley olhou sobre o ombro de um caipira com chapéu desfiado e me viu na sombra. Chamou para integrar o grupo. Não tinha o hábito de esquartejar inocentes sem provas, respondi. McHurley sumiu no banco da praça. Apontou em minha direção. A maior prova de que o mal dominara South Lake estava nas respostas insolentes de jovens iguais a mim. Continuaria o ataque, se Ellen não chegasse com a notícia de que Padre Bianco não estava na casa paroquial.

— Partiremos sem o padre — decretou McHurley. — Vingar Formosa é uma questão de homens, não de religiosos.

Ordenou que Ellen aguardasse Padre Bianco na casa paroquial. A beira do lago seria palco de cenas não apropriadas para uma senhora. Acenderam as tochas e seguiram pela avenida principal. Esperei que alcançassem a primeira quadra e parti ao encontro de Miles.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

CAP. 23

— Viu Steve depois da confusão? — disse Henry Salt. Apertou o cadarço do tênis. Joe Barry, afundado na poltrona, girava o gelo no copo de uísque.

— Nem, mas já vi Steve com mulheres mais perigosas do que aquela — Salt fechou o zíper da mochila.

— Então pode largar a cana um minuto e conferir se ele está no quarto? — disse. — Não vejo a hora de sair desse lugar do demo.

Barry matou o uísque num só gole. Os lábios estalaram.

— Meu irmão, é melhor perder essa pose de chefinho ou enfio uma baqueta no teu rabo — colocou o copo sobre a mesa de canto. — Vou chamar o Steve pra não quebrar a tua cara de pamonha.

Barry apertou o interruptor. Luz do corredor queimada. As pupilas dilataram. Tateou o caminho. Bateu três vezes.

— Steve, vamos dar no pé antes que eu acabe com a raça desse cretino — gritou. Sem resposta. Barry girou a maçaneta. Porta destrancada. Sobre o cobertor esticado, a mochila. A boca de Barry era um risco reto. Passou a língua nos lábios.

Sentado na poltrona da recepção, Miles ria do show de domingo. O apresentador havia convidado uma mulher que jurava fazer seu cachorro falar. Com os olhos arregalados, o bichano nem ao menos latia aos sinais da dona. Joe Barry parou ao lado da escada.

—Viu Steve sair? — perguntou.

Desde o show, Miles não sabia de Steve. Barry socou a parede. Harris precisava perder a mania de sumir sem avisar. Miles nem tirou os olhos da televisão.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

CAP. 22

Antes do meio-dia, o plano de Padre Bianco correu por todas as casas. Sei que Mark tem ideias estranhas, mas para mim nunca mentiu. Ok, apenas uma vez, aos dose anos, disse que o pai era dono da fábrica de chocolates. Nunca vinha a South Lake com medo de que sequestradores levassem Mark. De qualquer forma, sempre fomos melhores amigos. E, segundo o que me contou, a garota azul do lago não representava nenhum risco a não ser para o coração de Mark.

A cachorra latia no corredor seguida pelos passos de Tia Ruth.

— O que foi, querida? — a chave virou na fechadura. — Temos visitas, é?

A porta abriu. Lili correu para a barra da minha calça. O latido estridente intercalava com pulinhos de ataque. A mão gorda de Tia Ruth suspendeu Lili.

— Miles, que boa surpresa — escorou a porta para eu entrar. — O preguiçoso do teu amigo ainda dorme.

Ofereceu um pedaço de bolo de fubá. Até aceitaria se Tia Ruth não pegasse o bolo com a mesma mão que carregou a cachorra. Abri a porta do quarto. Mark vestia a mesma roupa do dia anterior, não teve nem o trabalho de tirar as meias. Jogado de barriga para cima sobre as cobertas e com o braço caído para fora da cama pareceria um cadáver não fosse a violência do ronco. Acordou depois da terceira sacudida.

— Caralho, Miles — esfregou os olhos. — Isso é jeito de acordar alguém?

Reclamou por mais algum tempo só para então perguntar:

— Que diabos faz aqui essa hora?

Quando terminei de contar o quiproquó com a vaca de McHurley e o plano do Padre Bianco para capturar a garota azul do lago, o queixo de Mark estava no peito.

— De quem é segunda maior vaca de South Lake? — perguntou Mark coçando a cabeça. Pelo o que eu sabia, era a malhada do velho O'neal. O brilho no olhar de Mark avisou que tínhamos um plano.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

CAP. 21

— Depois de toda a confusão no clube, eu só pensava enfiar a cabeça no travesseiro e dormir. Mal preguei os olhos e escutei passos ligeiros no gramado. Imaginei algum cachorro perdido. Em seguida, um mugido cumprido veio do celeiro. A coisa que devorou minha Formosa sabia bem o que queria. Tudo não durou quinze minutos.

Padre Bianco vinha com duas xícaras de café. Sentou ao lado de McHurley.

— Calma, meu filho — tomou um gole. — O culpado não ficará impune.
Um trabalho tão rápido só poderia ter um autor, o mostro azul, disse McHurley. Padre Bianco esfregou o ombro de John.

— Até pode ter sido esse monstro que estão todos falando, mas sabe-se lá de onde saiu.

— Com o cabelo tão molhado, aposto cada fio da minha barba que saiu do lago — disse McHurley. — Precisamos capturá-la.

Padre Bianco cruzou as mãos sobre a barriga. Nada mais justo que McHurley capturasse o devorador da tão estimada vaca. Até porque poderia atacar novamente em outros sítios da região. Padre Bianco arquitetou a retaliação.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

CAP 20

Ellen esticou o braço e não encontrou John na cama. O despertador marcava cinco e quarenta. Franziu a testa, John sempre levantava às seis para ordenha. Virou o cobertor e sentou. O casaco de John estava no prego da porta. Levantou. Atou a tira do chambre. Lá fora, perto do celeiro, vultos. Arrastou as pantufas até a cozinha. Precisou de dois fósforos para acender o lampião. Os calcanhares das meias de Ellen umedeciam ao roçar na grama orvalhada. Do celeiro, resmungos de John.

— Querido, é você?

Sangue estilhaçado na porta de madeira. Ao lado dos ossos enormes de boi, John ajoelhado.

— Devoraram a nossa Formosa — disse John.

Ellen prendeu o lampião na parede. Abraçou o marido. Tamanha atrocidade só podia ter um autor: o monstro azul que agarrou o ademoniado no clube. Era castigo de Deus por terem um filho assim? A situação exigia providências drásticas.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

CAP 19

Por duzentos metros tentei arrancar alguma reação. Nada de a garota azul reagir. Seguia firme em direção ao clube. O segurança alto foi quem a viu primeiro. Chamou o colega que fez o sinal da cruz. Dentro do clube, as frentes opositoras se misturaram para dar passagem. Mc Hurley protegeu-se com a tocha. Steve Harris esfregou os olhos. E a garota azul o abraçou. Só mesmo do lago para sair uma piranha assim. Era minha ou ao menos na noite anterior havia sido. Não pude acreditar, inclinou a cabeça para beijar Harrys bem ali, na minha frente. Acreditei menos ainda, quando o grunhido ensurdecedor saiu da pequena boca da garota azul seguido pela enorme língua de sapo que envolveu a cabeça de Steve Harris. Caipiras e roqueiros empurravam-se na tentativa de fugir. Pisoteio. Berros. E em cinco minutos eu estava a três quadras do Clube.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

CAP 18

Steve Harris tirou os óculos escuros:

— Pai?

— Não se atreva a me chamar assim — disse John McHurley. — Você não passa de um... de um bastardo.

Steve Harris, antigamente conhecido como Steve McHurley, sabia que o pai não aprovava a fuga de South Lake, mas organizar uma manifestação para o fim do show? Era demais. Quem John McHurley pensava ser?

— Eu sou o homem que vai dar fim a essa lavagem cerebral — disse McHurley sacudindo a tocha.

— Você não vai levar nenhum jovem de South Lake pelo caminho do mal.
Steve Harris pulou do palco acompanhado por Henry Salt e Joe Barry. Duas frentes se formaram: a dos caipiras e dos roqueiros. A coisa ia esquentar. Miles procurava uma forma de sair do clube. E a loira de Other Lake sacudia os peitos reclamando:

— Caipiras cretinos, quero a grana do ingresso de volta. Em Other Lake isso jamais aconteceria.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

CAP 17

Que diabos eu estava fazendo dentro do clube? Era quase hora da garota azul sair do lago. Empurrei dois caipiras. Senti no ombro a mão pesada do segurança baixo. Consegui me livrar e corri. As copas das árvores inclinavam os troncos, as nuvens se aglomeradas. No centro do lago, a lua mostrava borbulhas ainda mais fortes do que na noite anterior. Petrifiquei ao ver os cabelos vermelhos emergirem. E os braços finos, os seios pequenos, as coxas. Maldição! A pele azul estava ainda mais bonita. Como se retocada para uma grande festa. A minha grande festa. Ou não. Os olhos apontavam na direção do clube. Passou ao meu lado sem nenhum toque. Deixou apenas o perfume de margaridas.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

CAP 16

Ajeitei o boné e fui por entre as árvores conferir a discussão. Na porta do clube, McHurley comandava os caipiras. Dois seguranças bloqueavam a entrada: um, careca, baixo com os ombros largos e barriga de chope; outro da altura a porta, magro e com tranças rastafári pela cintura. Braços cruzados, os dois encaravam McHurley.

— O satanás fala pela boca desses bastardos — Ergueu a tocha. — Essa pouca vergonha tem que acabar. Deixem-nos passar.

Foices, pedaços de pau, machados. Empurra-empurra. Os seguranças não conseguiram conter os caipiras. Após os assobios, ao fim da música, só se ouviu o grito: — Parem essa porcaria — atrás de McHurley, os caipiras formavam uma barreira. Puta gente ignorante.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

CAP 15

Miles apertado pela multidão contra a cerca, olhava os peitos de uma garota de Other Lake. A loira usava uma camiseta com a capa do disco dos Bastardos. O decote em vê improvisado com tesoura confirmava um dos argumentos de Miles para estar no show, garotas sedentas por sexo. O locutor da FM local subiu ao palco:

— Preparem-se, South Lake vai tremer — balançou a mão para o público. — Com vocês, Os Bastardos.

As garotas do gargarejo gritaram histéricas. Os cabeludos do fundo ergueram os punhos serrados. Joe Barry, o primeiro a entrar, batucou a introdução de “ Nas mãos do cramunhão” . Henry Salt surgiu no canto do palco. Sem camisa, cabelo nos olhos martelando o baixo. Baramba-pá-Baramba-pá-Baramba-pá-tchum-tchum-tchum-tchummmm. E Steve Harris cortou o palco castigando a guitarra. O salão do clube sacudia:

Eu vou de carro,
eu vou de caminhão,
pegar a estrada de fogo
nas mãos do cramunhão

quarta-feira, 13 de abril de 2011

CAP 14

Enquanto a multidão dentro do clube aguardava os Bastardos, a lua cheia projetava minha sombra na areia do lago. Meu plano? Fazer tudo igual à noite anterior: no mesmo horário, tocaria a mesma música e a garota azul do lago sairia inteirinha para mim. Ainda era cedo. Acomodei as costas numa árvore e baixei o boné para um cochilo, quando escutei gritos vindos da avenida.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

CAP. 13

Henry Salt voltou do banheiro com a notícia:

— Vai ser uma noite daquelas.

O clube cheio de adolescentes sedentos por rock. Joe Barry aquecia as baquetas na quina da mesa repleta de frutas e toalhas brancas. Jogado na poltrona, perto do espelho, Steve Harris enrolava o cabelo. Fazia questão que fosse um grande show. Precisava mostra àqueles caipiras que fugir de South Lake foi o melhor que fez. Espiou pela janela. Estacionava um ônibus vindo de Other Lake com a faixa: Bastardos é rock.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

CAP. 12

Na primeira fila, os McHurley, os pais de Miles, Tia Ruth e as demais beatas de plantão. A igreja lotada para a estreia do padre. Miles no último banco, próximo à porta. Assim sairia rápido para o show, não fosse a mensagem final do padre:

— Irmãos, antes que sigam para seus lares, gostaria de umas últimas palavras.

South Lake ficara algum tempo sem norte. Porém os tempos de harmonia e paz voltariam a imperar. Para tanto, era necessário expulsar o mal, o câncer que infectava a cabeça dos adolescentes de South Lake. Era imprescindível acabar com o rock’n roll. E o momento ideal para iniciar a virada, todos sabiam: o show dos Bastardos.

O alvoroço tomou a igreja e ganhou corpo na rua com a liderança de John McHurley. Miles correu como uma ema, antes que seu pai aparecesse proibindo o show.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

CAP. 11

Parecia um sábado qualquer. No instante em que o relógio da igreja tocou três da tarde, as pombas voaram. Na praça, um cachorro de rabo pontudo passeava. E a porta da pousada se abriu. Miles ajeitou o boné. Seguiu pela calçada em direção ao Clube. Camisa polo, calças jeans, tênis branquíssimos. Não fosse o bico desgastado, qualquer um diria que recém fora tirado da caixa. Três e cinco vi Miles dobrar a esquina. Eu sempre andava de skate naquela rua, uma quadra antes do Clube. Deslizei na direção de Miles.

— Não vai acreditar — holly sobre o meio-fio. — O italiano ligou de novo pra Tia Ruth.

Apertamos as mãos.

— Quem não vai acreditar é você — Miles pegou o skate. — Sabe quem está na pousada?
Tirei o boné. Cocei a cabeça suada.

— Os bastardos — disse Miles. Embalou o skate. O magricela mal conseguia se equilibrar. — Chegaram pouco mais de meia-noite.

Era de se imaginar, eu disse. A cidade não tinha outra opção de hospedagem. Miles parou.

— Nem parece que Steve Harris foi criado em South Lake — entregou o skate. — Quebrou todo o quarto só por não ter espelho.

Desculpa furada. Eu podia apostar que Steve Haris quebrou tudo só de raiva por ter que voltar à South Lake.

— Que horas vamos para o show? — disse Miles. Embalava o skate de um lado para o outro. — Hoje começa o padre novo. Pensei em sairmos depois da missa.

— Não vou.

— À missa?

— A nenhum dos dois.
Miles perdeu alguns minutos dissertando sobre todo o tempo que esperamos por aquele show. E o tanto de garotas que iriam. E que estariam sedentas por sexo. E que os Bastardos jamais tocariam em South Lake novamente. E que eu deveria ter sido abduzido por E.T’s.

— Acabou? Agora, posso contar um segredo? — eu disse.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Cap. 10

A batina varria as macegas. Padre Bianco elogiou o pomar, a vaca leiteira. John contou que Formosa era o orgulho da família, vinte litros por dia. Só comia pasto da melhor qualidade, pois aquelas eram as terras mais férteis de South Lake. Desde sempre, dos McHurley. Desde a chegada das primeiras carroças. Desde o tempo que só nascia gente decente na cidade.

— Que conversa é essa? —Padre Bianco tocou o braço de John. — Comigo não precisa de meias palavras.

Pararam à sombra de uma goiabeira. McHurley tirou o cachimbo da boca. A história era medonha, mas o padre precisava saber.

— Há dez anos, South Lake era um exemplo de harmonia. As famílias trabalhavam duro, frequentavam a igreja. Os jovens iam à escola e ajudavam no campo. Tinham futuro certo seguindo os passos dos pais. Até que o filho de um colono quebrou o equilíbrio. O maldito escutava rock'n roll. Fugia da enxada para tocar violão. Dizem que até puxava um fuminho. Certo dia, falou para mãe que ia acampar no lago com a namorada. O pai não podia saber, jamais permitiria. A mãe encobriu a história. Inventou que o filho passaria o final de semana na casa de um amigo. Mochilas feitas, os dois andaram até a encruzilhada limite de South Lake. Lá, o maldito recusou seis caronas e tocou sete canções. O sétimo carro a parar era do cramunhão. Por dois anos ninguém soube o paradeiro do casal.

Padre Bianco mostrava o branco dos olhos. A testa pingava.

— Aonde foram parar?

— Da garota ninguém sabe — McHurley colocou o cachimbo na boca. — Por certo, caiu na vida de perdição.

— E o rapaz?

— Viu os cartazes do show de hoje à noite? — McHurley levantou a sobrancelha. — Desde que o maldito alcançou o sucesso, todos os jovens só pensam em sair de South Lake. É inadmissível. O show não pode acontecer, Padre Bianco.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Cap. 9

A van estacionou em frente ao clube. Cabeça raspada, alargador na orelha direita, jaqueta de couro. O motorista a contornou e abriu a porta lateral. Henry Salt e Joe Barry desceram com cases de instrumentos. O tênis preto de Steve Harris tocou a calçada. Cabelos cobriam o rosto. Tirou os óculos escuros. Os eucaliptos sacudiram as folhas. Steve atravessou a rua. Parou antes da grama. O lago agitado. Steve cospiu no chão.

— A guitarra está no palco — gritou o motorista. Tirou o bumbo do porta-malas.

Steve colocou os óculos. Girou a ponta do tênis sobre o cuspe.

quarta-feira, 23 de março de 2011

Cap. 8

Ossos de leitão nos pratos. A travessa vazia. Padre Bianco tinha o canto da boca marcado de vinho. John McHurley equilibrava a cadeira em dois pés. Sacudia o fósforo. Fumaça no cachimbo.

— Não falei que o leitão de Ellen era um sucesso?

Mesmo sem provar outros leitões da região, Padre Bianco concordou que o assado era tentador perante o pecado da gula. Receita de família trazida pela bisavó de Ellen, uma das primeiras mulheres na colonização de South Lake. A esposa de John McHurley usava os cabelos loiros presos com lenço branco. Falava pouco, mas não escondia a felicidade de ter um novo padre na cidade.

— Por que não limpa essa bagunça e traz a sobremesa? — disse John. — O padre veio por assunto sério.

Ellen saiu com a travessa e os três pratos. McHurley chamou o padre para esticarem as pernas, conhecer a propriedade. Padre Bianco preferia experimentar o doce de Ellen. McHurley coçou a barba. Havia certas coisas que o padre precisava saber. A sobremesa esperaria.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Cap. 7

Nove da manhã quando cheguei em casa. A mesa posta para o café. Adoro pão quente com margarina. Tia Ruth veio do corredor com bobs no cabelo e a cachorrinha no colo.

— Comendo pão?

Tia Ruth é a irmã mais velha do meu velho. O que sempre fez dela duplamente velha. Desde que meus coroas saíram pra comprar cigarros e nunca mais voltaram, me criou. Depois de se aposentar da escola, Tia Ruth passou a se dedicar à micropoodle Lili e a igreja. Com a falta de padre, virou comentarista de novela: “Acabada, a-ca-ba-da, não sei como ainda chamam para encenar”. Mas sabe qual a grande especialidade de Tia Ruth? Perguntas que conhece a resposta.

— Não dormiu em casa?

— Plantão do Miles na pousada. Perdemos a hora jogando carta — respondi. Tirei a louça para a pia.

Menino direito, trabalhador esse Miles. Ótimas notas. É o que diziam as professoras, ex-colegas de Tia Ruth. Por isso, era protagonista de todas as desculpas.

— Estranho, o italiano ligou cedo — Tia Ruth servia a xícara de café. —Reclamou de você tocando violão na praça em plena madrugada.

Não era a primeira ligação do italiano. Achava que eu era folgado porque recusei a ótima proposta que me fez. Meio salário mínimo para acordar todo dia às quatro da manhã, amassar pão, derreter junto ao forno pra abrir a padaria às sete, pontualmente. Oportunidade de ouro para quem está começando. Gringo cara de pau.

— O homem só quis ajudar — disse Tia Ruth. Deu um pedaço de pão para Lili.

— Esse é o problema de South Lake, tem muita gente assim querendo ajudar.

— Hoje é a primeira missa do novo padre — disse Tia Ruth. — Você podia tocar.
Depois de tanto tempo da primeira comunhão, nem lembrava como tocar as músicas da igreja. Fui para o quarto.

— Ok. Só espero que não se meta no show desses Bastardos.

Tia Ruth podia ficar tranquila, meus planos eram outros.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Cap. 6

A porta da casa paroquial entreaberta. John McHurley tirou o chapéu. Os cabelos revoltos eram palha em chamas. Sons de cacos. McHurley ergueu a sobrancelha e seguiu pelo corredor a passos leves. Empurrou a porta do banheiro. Nada. O fogão arredado para o lado da pia. A mesa em diagonal. Um dos bancos, de pernas pra cima. Uma trilha de sangue no chão.

— Padre Bianco? — gritou McHurley.

A porta da cozinha para rua, aberta. Uma sombra humana projetada no chão. Um braço atravessou o vão da porta. Escorou a vassoura, a pazinha. Solas grossas no capacho.

— Desculpe o atraso — disse Padre Bianco. Puxou o fogão para a posição original. — Precisei dar um trato na casa.

Pelo jeito o padre não se deu muito bem com o escuro, disse McHurley. Machucou o pé nos cacos? Padre Bianco contou que não estava sozinho. Dois antigos moradores não o deixaram dormir.

— O povo fala de espíritos zombeteiros na região — disse McHurley. — Nunca acreditei.

— Espíritos não, ratos — Padre Bianco sacudiu as mãos mostrando o tamanho dos bichanos. — E tiveram o que mereciam.

McHurley coçou a barba. O chapéu amassado contra a camisa. Não imaginava tanta frieza num homem de Deus.

— A lei divina é a lei da vida: o maior come o menor — Padre Bianco arrastou a mesa de refeições.

— Come?

Modo de dizer. Desviraram o banco. McHurley o empurrou até tocar o pé da mesa. Ellen tinha costume de servir o almoço pontualmente. O leitão estava no forno. Dois minutinhos, pediu Padre Bianco. Tempo de lavar as mãos. Saiu para o banheiro. Água na louça da pia. McHurley seguiu os pingos de sangue. Iam do fogão à mesa de refeições. Levantou a barra da tolha. Embaixo da mesa, o rabo de um dos bichanos. Coçou a barba.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Poster by Luiz Barretto

Cap. 5

Na manhã seguinte, apenas a areia amassada com as curvas da garota azul ao meu lado. O cabelo vermelho balançava no trilho do nascente para o meio do lago. Que garota! Era real. Abotoei a bermuda, fechei o zíper. Areia entre as nádegas. Abracei os joelhos. Passo a passo a garota azul afundou, até desaparecer. Peguei o violão. O sabia deu o tom. Manhã perfeita para um blues.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Cap. 4

O Lago borbulhava cada vez mais. Areia nos meus olhos, cabelos. E o rastro vermelho continuava a emergir. Cada passo revelava uma parte do corpo. Braços finos, seios pequenos, coxas desenhadas. Diabos, era a garota mais bonita que já vi. Nua, a poucos metros. E tinha a pele azul, ou pelo menos a lua fazia parecer assim, apenas os cabelos cor de fogo escorridos sobre as costas. Vinha na minha direção. Os olhos azuis que de tão claros pareciam brancos. Cheiro de margarida. Só mais alguns passos. Levantei. Correr? Chorar? Agradecer aos céus? Esticou a mão. Segurou meu ombro. Toque gelado.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Cap. 3

As luzes da varanda apagadas. Da rua se via apenas a silhueta em forma de trapézio. Molho de chaves nas mãos. Comparava os tamanhos. Restava uma tentativa. Dentes largos, oxidada. Encaixou na ranhura. E o giro. A porta deslizou. A luz da rua mostrou a poltrona, o crucifixo na parede. Interruptor. Nada de energia. Deixou a mala ao lado da porta. As tábuas do assoalho rangeram. Seguiu pelo corredor. Gruídos de ratos. Passinhos ligeiros. À esquerda, o banheiro. Teias no cabelo. A cozinha usava toda a largura da casa. A janela basculante iluminava a mesa de refeições, o lampião. Tateou até o fogão. Caixa de fósforos. De volta à mesa, a canela esbarrou na quina do banco comprido de madeira. Retirou o bojo do lampião. Riscou o fósforo. Lá fora, uma mão espalmada no vidro. Barba ruiva, olhos fixos, chapéu de palha. A mão do padre tremeu. Tombou o lampião. O fogo atravessava a toalha. Precisou de três copos d’água pra controlar. Suspiro. Da sala, passos. O copo escapou da mão do padre. Cacos. O ruivo na porta do corredor. Botas sujas, camisa xadrez.

— O senhor é o novo padre? — coçou a barba vermelha.

— Pode levar o que quiser, só não me faça mal.

— De forma alguma, padre — tirou o chapéu. — John McHurley, a seu dispor. Soube da sua chegada no ônibus da noite e passei para dar boas-vindas.

O padre sentou, a mão direita ao peito.

— E quase me mata do coração. Não basta essa casa sem luz?

Há três meses que a cidade não tinha padre, explicou McHurley. Por isso, a arquidiocese cortou a energia. Também, por isso, a fila de espera para batizados e casamentos era extensa.

— Passei também para um convite. Que tal um almoço lá no rancho amanhã?

— Ótimo. Preciso conhecer a região.

— Não vai se arrepender. Ellen faz o melhor leitão assado de South Lake — McHurley estendeu a mão — Qual seu nome padre?

— Tony Bianco.

— Onze e meia esteja pronto, Padre Bianco — disse McHurley. — Há certas coisas sobre South Lake que precisa saber.

Combinado, onze e meia. McHurley pôs o chapéu. Despediu-se inclinando a cabeça. Os saltos das botas ecoaram do corredor. A caminhonete arrancou. Grunhidos. Padre Bianco riscou o fósforo. No canto do fogão, dois ratos.

terça-feira, 1 de março de 2011

Cap. 2

A televisão iluminava o rosto miúdo de Miles. Boca aberta, o fio de saliva acabava no ombro. O cabeludo ruivo entrou na recepção. Óculos escuros redondos. Estojo de guitarra na mão. Tocou a sineta. Miles resmungou. Insistiu a sineta. Os olhos de Miles abriram embaçados. O polegar e o indicador removeram a remela.

— Te conheço? — Miles contraiu os olhos.

O cabeludo apontou para o cartaz no mural.

— Steve Harris?! — mãos na cabeça. Virou uma folha de formulário — Um autógrafo, por favor.

O braço cruzou a tampa do balcão. Puxou a gola de Miles.

— Olha, moleque, é tarde pra tietagem — o antebraço trazia o rosto do demônio tatuado — Passa a chave.

— Desculpe, é que mal posso acreditar — disse Miles.

— Não foi escolha minha — soltou a gola. — Essa espelunca é a única opção na cidade.

Miles arrumou a camiseta e entregou as chaves do melhor quarto. Steve subiu as escadas. A lâmpada do corredor, queimada. Antes de entrar no quarto, escutou: “Henry Salt!? Joe Barry!? Oh, meu deus”. Suspirou. Virou a maçaneta. Cama de solteiro. Cobertor colorido. Forro mofado. Armário duas portas. E nenhum espelho. Imagine o pior quarto, então. Ao lado da pia, a janela aberta. Steve largou a mochila na cama. Deixou um trilho branco, ao passar o dedo no marco da janela. Lá fora, a igreja, a praça, a avenida central. Cidade pequena nunca muda. Uma rajada de vento bateu a persiana. Steve trancou a janela.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Cap. 1

Aquela tinha tudo para ser mais uma noite cretina em South Lake. O relógio da igreja marcava onze e quarenta e cinco. Morcegos trocavam de árvores. Eu, no banco da praça, dedilhava o violão quando o padeiro gritou:

— Não tem o que fazer, maledeto?

O velho Clint, tatuado no meu braço, jamais aceitaria o desaforo do italiano. Pisei no skate, violão em punho. A mão tocou um Lá menor ao mesmo tempo em que o pé deu impulso. O ronco das rodinhas contra o asfalto era acompanhamento. Em frente à casa paroquial, um vulto. No poste, “Os Bastardos, pela primeira vez em South Lake”. A milonga e o skate serpenteavam na avenida principal. Vento nas canelas. Cada impulso, novo compasso. Uma van preta estacionada em frente à pousada. Quatro postes e o neon “outh Lake Club”. Do outro lado da rua, o lago. Nenhuma casa no raio de dois quarteirões.

O tênis fincou o asfalto. Violão embaixo do braço. Só mesmo mato adentro para ter alguma paz. Peguei o skate pelo truck. O neon pintava de vermelho os primeiros eucaliptos. Depois das árvores, a lua prateava a areia e o lago. Sentei. O “S” do neon tentou acender. Mi maior no violão. O primeiro sucesso dos Bastardos, Cemitério Maldito. Quando o último acorde viajou sobre as ondas, as nuvens se aglomeravam. O boné voou, rolou na areia. Cabelos no rosto. No céu quase todo encoberto, a lua era um holofote apontado para o centro do lago borbulhante. E eu sem a menor ideia do que seria o rastro vermelho que emergia igual a um rabo de baleia.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Começa amanhã, 28/02

Como a chegada de uma banda de rock pode mudar a rotina da pacata cidade de South Lake?

Descubra a partir de amanhã, 28/02. Serão 2 capítulos por semana, sempre segundas e quartas.