segunda-feira, 30 de maio de 2011

CAP. 27

A vaca dormia encolhida sobre os joelhos. Sem abrir os olhos, espanou com o rabo a mutuca que zunia ao redor das ancas. Cutuquei Miles para mostrar o reflexo da bichana. O fio de saliva corria da boca de Miles até o monte de palha no qual a cabeça se acomodava. Só mesmo Miles para dormir em meio ao fedor de bosta e o calor do celeiro. Mirei a narina direita. Aproximei a palha. Miles esfregou a ponta do nariz. Girei. Sacudiu a cabeça.

— Hein? Onde? Que lugar é esse?

Tapei a boca de Miles.

— Grita um pouco mais alto — sussurrei. — Quem sabe espanta de vez o devorador de vacas.
No meio da frase, um estrondo de madeira. Afastamos o máximo de feno possível. As orelhas pontudas no topo da cabeça e focinho desfiguravam o que poderia ser sombra de gente. As mãos tinham dedos emendados, unhas compridas. Andou na direção da vaca. Desenrolei a corda. Dei uma das pontas a Miles.

— No três, pulamos — eu disse emitindo o mínimo de som. — você para direita, eu para esquerda.

Os olhos de Miles imóveis. Um trilho de suor descia pela têmpora. Um, dois... Acho que o único motivo que fez Miles pular foi o medo de assistir a mutilação da vaca. Os quatro pés tocaram o chão ao mesmo tempo. Nossa surpresa não foi maior que a do lobisomem. Miles segurava firme uma ponta da corda. Olhou pra mim. Eu olhei para o lobisomem, que olhou para vaca. Durante dois segundos, todos estáticos. Desatei a correr. Miles acompanhou no sentido contrário. O lobão mostrava os dentes pontudos grandes como uma moeda de cinquenta centavos. Cinco voltas de corda prendiam os braços junto ao tronco. Apertei o nó. O lobisomem alternava rosnadas e botes. Miles esvaziou o saco de feno escorado na parede e tapou a cabeça do lobisomem. Foram necessárias três pauladas para desacordar o lobão. Só então tivemos tranquilidade para perceber a roupa que usava.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Procuram-se posters

Pessoal,

Infelizmente hoje não tivemos posters, pois acabaram.
Agora se você quiser participar, envie o seu porter de A Garota Azul do Lago para paz.mauro@gmail.com

quarta-feira, 25 de maio de 2011

CAP. 26

A pequena multidão de caipiras passou em frente ao clube e se dissolveu na entrada do mato. Folhas secas e gravetos estalavam. Depois das árvores, o lago chacoalhava manso na areia, enquanto a luz das tochas tingia os troncos de laranja e acendia dezenas de olhos em direção a McHurley.

— Agora é o momento da revanche. Só há um jeito de nos livrarmos do mal —apontou McHurley para o rio à suas costas. — Vamos queimar o monstro e libertar os jovens de South Lake.

Os caipiras ergueram as tochas acima dos ombros brindando a resolução. A lua mostrava um lago prata. Nenhuma nuvem no céu. Estavam dispostos a esperar o tempo que fosse preciso.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

CAP. 25

Quatro tesouras de pau sustentavam o telhado do celeiro. Entre as duas centrais, um estreito forro coberto de feno. Subi a escada de madeira. Miles fez um pêndulo com o braço para atirar a corda enrolada. Uma de minhas mãos segurou a tesoura, a outra varreu o ar para pegá-la. Miles subiu até o último degrau, mas os braços finos não davam conta da última etapa. Puxei-o pelo tríceps até que apoiasse o primeiro joelho no forro. Lá em cima estava quente pra burro, mas conseguirmos ver a vaca por entre o feno ser dar bandeira.

— A bicha é enorme mesmo — disse Miles.

— Ficou interessado?

Miles podia ter me poupado dos detalhes, mas fez questão de contar que barranqueou vaca apenas uma vez, aos onze anos, no sítio do tio. Não fosse pelo fedor de bosta, até faria outras vezes, arrematou.

— Ok. Então, comporte-se, garanhão — eu disse. — Estamos aqui para salvar uma garota inocente, não para traumatizar um animal.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

CAP. 24

Quando passei em frente à igreja, o relógio marcava dez horas. Na praça, o poste iluminava a pequena multidão. John McHurley organizava os moradores. Parei a alguns metros do grupo.

— Assim que Padre Bianco chegar, partiremos para o lago — gritou McHurley. — não podemos deixar que esse monstro azul devore todo o rebanho de South Lake.

McHurley olhou sobre o ombro de um caipira com chapéu desfiado e me viu na sombra. Chamou para integrar o grupo. Não tinha o hábito de esquartejar inocentes sem provas, respondi. McHurley sumiu no banco da praça. Apontou em minha direção. A maior prova de que o mal dominara South Lake estava nas respostas insolentes de jovens iguais a mim. Continuaria o ataque, se Ellen não chegasse com a notícia de que Padre Bianco não estava na casa paroquial.

— Partiremos sem o padre — decretou McHurley. — Vingar Formosa é uma questão de homens, não de religiosos.

Ordenou que Ellen aguardasse Padre Bianco na casa paroquial. A beira do lago seria palco de cenas não apropriadas para uma senhora. Acenderam as tochas e seguiram pela avenida principal. Esperei que alcançassem a primeira quadra e parti ao encontro de Miles.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

CAP. 23

— Viu Steve depois da confusão? — disse Henry Salt. Apertou o cadarço do tênis. Joe Barry, afundado na poltrona, girava o gelo no copo de uísque.

— Nem, mas já vi Steve com mulheres mais perigosas do que aquela — Salt fechou o zíper da mochila.

— Então pode largar a cana um minuto e conferir se ele está no quarto? — disse. — Não vejo a hora de sair desse lugar do demo.

Barry matou o uísque num só gole. Os lábios estalaram.

— Meu irmão, é melhor perder essa pose de chefinho ou enfio uma baqueta no teu rabo — colocou o copo sobre a mesa de canto. — Vou chamar o Steve pra não quebrar a tua cara de pamonha.

Barry apertou o interruptor. Luz do corredor queimada. As pupilas dilataram. Tateou o caminho. Bateu três vezes.

— Steve, vamos dar no pé antes que eu acabe com a raça desse cretino — gritou. Sem resposta. Barry girou a maçaneta. Porta destrancada. Sobre o cobertor esticado, a mochila. A boca de Barry era um risco reto. Passou a língua nos lábios.

Sentado na poltrona da recepção, Miles ria do show de domingo. O apresentador havia convidado uma mulher que jurava fazer seu cachorro falar. Com os olhos arregalados, o bichano nem ao menos latia aos sinais da dona. Joe Barry parou ao lado da escada.

—Viu Steve sair? — perguntou.

Desde o show, Miles não sabia de Steve. Barry socou a parede. Harris precisava perder a mania de sumir sem avisar. Miles nem tirou os olhos da televisão.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

CAP. 22

Antes do meio-dia, o plano de Padre Bianco correu por todas as casas. Sei que Mark tem ideias estranhas, mas para mim nunca mentiu. Ok, apenas uma vez, aos dose anos, disse que o pai era dono da fábrica de chocolates. Nunca vinha a South Lake com medo de que sequestradores levassem Mark. De qualquer forma, sempre fomos melhores amigos. E, segundo o que me contou, a garota azul do lago não representava nenhum risco a não ser para o coração de Mark.

A cachorra latia no corredor seguida pelos passos de Tia Ruth.

— O que foi, querida? — a chave virou na fechadura. — Temos visitas, é?

A porta abriu. Lili correu para a barra da minha calça. O latido estridente intercalava com pulinhos de ataque. A mão gorda de Tia Ruth suspendeu Lili.

— Miles, que boa surpresa — escorou a porta para eu entrar. — O preguiçoso do teu amigo ainda dorme.

Ofereceu um pedaço de bolo de fubá. Até aceitaria se Tia Ruth não pegasse o bolo com a mesma mão que carregou a cachorra. Abri a porta do quarto. Mark vestia a mesma roupa do dia anterior, não teve nem o trabalho de tirar as meias. Jogado de barriga para cima sobre as cobertas e com o braço caído para fora da cama pareceria um cadáver não fosse a violência do ronco. Acordou depois da terceira sacudida.

— Caralho, Miles — esfregou os olhos. — Isso é jeito de acordar alguém?

Reclamou por mais algum tempo só para então perguntar:

— Que diabos faz aqui essa hora?

Quando terminei de contar o quiproquó com a vaca de McHurley e o plano do Padre Bianco para capturar a garota azul do lago, o queixo de Mark estava no peito.

— De quem é segunda maior vaca de South Lake? — perguntou Mark coçando a cabeça. Pelo o que eu sabia, era a malhada do velho O'neal. O brilho no olhar de Mark avisou que tínhamos um plano.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

CAP. 21

— Depois de toda a confusão no clube, eu só pensava enfiar a cabeça no travesseiro e dormir. Mal preguei os olhos e escutei passos ligeiros no gramado. Imaginei algum cachorro perdido. Em seguida, um mugido cumprido veio do celeiro. A coisa que devorou minha Formosa sabia bem o que queria. Tudo não durou quinze minutos.

Padre Bianco vinha com duas xícaras de café. Sentou ao lado de McHurley.

— Calma, meu filho — tomou um gole. — O culpado não ficará impune.
Um trabalho tão rápido só poderia ter um autor, o mostro azul, disse McHurley. Padre Bianco esfregou o ombro de John.

— Até pode ter sido esse monstro que estão todos falando, mas sabe-se lá de onde saiu.

— Com o cabelo tão molhado, aposto cada fio da minha barba que saiu do lago — disse McHurley. — Precisamos capturá-la.

Padre Bianco cruzou as mãos sobre a barriga. Nada mais justo que McHurley capturasse o devorador da tão estimada vaca. Até porque poderia atacar novamente em outros sítios da região. Padre Bianco arquitetou a retaliação.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

CAP 20

Ellen esticou o braço e não encontrou John na cama. O despertador marcava cinco e quarenta. Franziu a testa, John sempre levantava às seis para ordenha. Virou o cobertor e sentou. O casaco de John estava no prego da porta. Levantou. Atou a tira do chambre. Lá fora, perto do celeiro, vultos. Arrastou as pantufas até a cozinha. Precisou de dois fósforos para acender o lampião. Os calcanhares das meias de Ellen umedeciam ao roçar na grama orvalhada. Do celeiro, resmungos de John.

— Querido, é você?

Sangue estilhaçado na porta de madeira. Ao lado dos ossos enormes de boi, John ajoelhado.

— Devoraram a nossa Formosa — disse John.

Ellen prendeu o lampião na parede. Abraçou o marido. Tamanha atrocidade só podia ter um autor: o monstro azul que agarrou o ademoniado no clube. Era castigo de Deus por terem um filho assim? A situação exigia providências drásticas.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

CAP 19

Por duzentos metros tentei arrancar alguma reação. Nada de a garota azul reagir. Seguia firme em direção ao clube. O segurança alto foi quem a viu primeiro. Chamou o colega que fez o sinal da cruz. Dentro do clube, as frentes opositoras se misturaram para dar passagem. Mc Hurley protegeu-se com a tocha. Steve Harris esfregou os olhos. E a garota azul o abraçou. Só mesmo do lago para sair uma piranha assim. Era minha ou ao menos na noite anterior havia sido. Não pude acreditar, inclinou a cabeça para beijar Harrys bem ali, na minha frente. Acreditei menos ainda, quando o grunhido ensurdecedor saiu da pequena boca da garota azul seguido pela enorme língua de sapo que envolveu a cabeça de Steve Harris. Caipiras e roqueiros empurravam-se na tentativa de fugir. Pisoteio. Berros. E em cinco minutos eu estava a três quadras do Clube.