quarta-feira, 22 de junho de 2011

CAP. 34 - ÚLTIMO

O motor da van ecoava no saguão da pousada. Deixei meu boné com Miles e dei as costas sem me despedir. Na calçada, Lauren pegou minha mochila e abanou para Miles escorado no marco da porta. Entramos na van e Steve Harris tocou o ombro do motorista. Henry Salt e Joe Barry dormiam no último banco. Era uma tarde quente em South Lake. O cachorro atravessava a praça da igreja. Todos trancados nas casas tentavam entender dar alguma lógica aos fatos dos últimos dias. É engraçado lembrar Miles contando por telefone que tia Ruth levou três dias para perceber que eu havia partido de South Lake.

FIM

segunda-feira, 20 de junho de 2011

CAP. 33

— Ei, gorducho — gritou Harris. Acenava com o bloquinho. — A música está pronta, faça Lauren voltar ao normal.

Os olhos do sapão eram duas finas linhas.

— Então cantem. Preciso ter certeza que não se trata de um plágio.
Puxei o ritmo estalando os dedos. Harris cantou.

Os dias passam, horas voam
e os meus problemas estão no mesmo lugar.
Fechar os olhos de nada adianta,
pois na escuridão vão me acompanhar.

Eu sinto a brisa do lago,
o sol reflete em mim.
E os meus problemas
não parecem ter fim.

Acostumei a estar sempre correndo,
em nenhum momento posso me acomodar.
E no embalo eu pulo o muro,
faço um blues pra não me entregar.

Eu sinto a brisa do lago,
o sol reflete em mim.
E os meus problemas
não parecem ter fim.

Ao terminarmos o segundo refrão, o sapão havia dobrado de tamanho. A pele esticada como um balão de aniversário e as esferas dos olhos saltadas do rosto. Eu, Steve Harris e a garota azul olhávamos estáticos para o sapão que retorcia a face tentando falar:

— Ok, vo-cês ven-ce...

Foi pedaço de sapo para todo o lado. Uma gosma verde que cobriu os eucaliptos e tudo mais à beira da praia, inclusive nós três. Num mesmo impulso, eu e Harris nos desvencilhamos da gosma e colocamos as mãos em busca da garota azul. As mãos de Harris descobriram o rosto de Lauren. Tinha a pele tão branca quanto uma pena de pato. Ao abrir os olhos azuis, reconheceu Harris.

— Que zoeira é essa aqui, mocinho?

Abraçaram-se como dois ursos. O jogo estava definido, partiriam juntos pelo mundo de show em show e eu ficaria enterrado para o resto da vida em South Lake. Virei as costas e sai em direção ao clube.

— Onde pensa que vai? — disse Lauren. — Agora somos um trio.

O arco da minha boca deve ter chegado as orelhas. Recebi um abraço de orangotango e o beijo de uma sereia me engoliu da realidade. Quando voltei a mim, alguns caipiras saiam de traz das árvores. Escutei a voz de McHurley gritar:

— Revirem cada metro de praia, o maldito lobisomem tem que estar em algum lugar.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Capa escolhida

Depois de uma grande disputa, no Facebook, a capa oficial escolhida para A Garota Azul do Lago será a de Paulo Feijão.

A capa estará na versão em .pdf que vou disponibilizar aqui no blog quarta-feira (22/06), dia do último capítulo.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

CAP. 32

Miles tremia dos pés à cabeça. Voltei à praia sozinho. A altura do sapo superava os eucaliptos nos quais os caipiras e McHurley buscavam esconderijo. As patas dianteiras tocavam a areia, as traseiras permaneciam na água. Os gomos da pele úmida eram maiores que o Harris.

— Não preciso de suas músicas — disse Harris abraçado à garota azul como se fossem um só. — Deixe a em paz.

Harris estaria disposto a trocar o amor de milhares de fãs por uma paixão adolescente? De qualquer forma, havia apenas uma maneira de quebrar o pacto, disse o sapão. Harris precisava compor uma canção com outra dupla ou a garota voltaria, ao amanhecer, para o fundo do lago.

— Parece piada — disse Harris. — Como compor se todos correram com medo de ti?

— Ei, posso ajudar — gritei.

Steve Harris olhou para trás. O sapo suspirou. Areia e folhas rodopiaram pelos ares. Ajudaria a compor a nova música, mas havia uma condição: a garota azul ficaria comigo em South Lake. Depois de tanto tempo presa ao lago, seria justo que ela escolhesse o próprio caminho, propôs Harris. Ok. Longe do ideal, porém o mais sensato. Harris sacou o bloco e a caneta do bolso interno da jaqueta. Improvisei a melodia de um blues com palavras inventadas, coisa que poderia bem ser javanês ou alguma outra língua ininteligível. Harris acompanhava juntando palavras em busca de sentido. Uns quinze minutos e tínhamos a música.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

CAP. 31

Lobisomem, sapo falante, pacto para o sucesso. Aquilo tudo era demais para minha cabeça. Queria apenas curtir mais algumas noites com a garota azul do lado, poxa. Arrisco a minha vida e a de Miles para pegar o lobão, daí chega o Steve Harris, todo bonitão, e quer a gostosa pra ele. Não era justo, falei. McHurley levantou a sobrancelha.

— Bem, se toda essa história é verdadeira, minha vaca está vingada — disse John. — Desapareça da cidade com essa sirigaita azul.

Steve Harris foi na direção da garota azul. Os caipiras a deixaram passar. O abraço, o beijo, os caipiras olhando a bunda azul. A cena toda me enojava. Chamei Miles para que fossemos embora. Passávamos as primeiras árvores antes do clube, quando o chão tremeu. A voz de Louis Armstrong falou num volume tão alto que ecoou até a praça da igreja:

— A garota é minha, Harris. Você teve o que pediu.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

CAP. 30

— Ali onde está a fogueira, montamos a barraca. O cobertor xadrez que mamãe emprestou cobria Lauren até as orelhas. Acho que o medo de você ou o pai de Lauren descobrir o acampamento me tirou o sono. Peguei o violão e dei uns cinco passos para longe da barraca. Sentei na areia próximo a linha úmida delimitada pelas ondas e comecei a dedilhar. Naquela noite, o céu sustentava mais estrelas do que podia. Um rastro prateado passou longe, em direção a Other Lake. Fechei os olhos e pedi para ser eu aquela estrela. Senti um cutucão no pé. Era um sapo gorducho, do tamanho de uma bola de futebol. Tinha a pele áspera e a voz de Louis Armstrong. Perguntou se eu estaria disposto a esquecer South Lake em troca de sucesso. Apertei a pata do sapão, sair da cidade era tudo o que eu queria. Antes de ir embora, o sapo me acompanhou cantando Sympathy for the Devil. Pela manhã, Lauren não estava na barraca. Voltou para casa com medo de a mentira ser descoberta, pensei. Embaixo do cobertor, apenas uma folha de caderno com a letra de Cemitério Maldito e o endereço da gravadora Metrópole. Parti de South Lake e o sucesso veio no rastro. Outras letras apareceram ao lado da minha cama. Era só empunhar o violão e as melodias surgiam como se uma força maior tivesse as implantado na minha cabeça. Só ontem à noite, em meio à confusão do show, descobri o que de fato aconteceu com Lauren. Estava presa pelo sapo o tempo todo. E por isso estou aqui, para quebrar a maldição e levar Lauren comigo.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

CAP. 29

De um lado da praia, eu e Miles segurávamos os sovacos do lobisomem desacordado. Do outro McHurley, os caipiras e a garota azul do lago.

— Isso só pode ser piada — disse McHurley.

— Capturamos ele no estábulo do velho O’neal — eu disse. Ergui o saco com a estampa vermelha de sangue coagulado para mostrar o formato da cabeça do lobisomem.

— Olho nela — disse Mc Hurleu. — Vou ver de perto essa patuscada.
Outros dois caipiras reforçaram o cerco à garota azul. A bota de McHurley moía a areia enquanto Miles desatava o nó do saco que cobria a cabeça do lobão.

— Por certo o demônio possuiu vocês também — disse McHurley faltando alguns passos para se juntar a nós. — Não pensem que qualquer mentirinha vai livrar a cara da devoradora azul.

— O inimigo estava mais perto do que você imaginava — eu disse. Descobri a cabeça do lobisomem. Na boca aberta de McHurley caberia um ovo de pato. O rosto do lobisomem semi-desmetamorfoseado revelava os traços do humano por traz da criatura. Porém o colarinho rasgado da batina confirmava a identidade do devorador.

— Padre Bianco? — disse John McHurley. — Então que diabos explica essa aberração azul?
Miles e eu nos entreolhamos sem resposta. Uma mão tocou o ombro de John McHurley.

— Pai, acho que eu posso explicar — disse Steve Harris.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

CAP. 28

O tronco de eucalipto serrado ao meio e enterrado um metro na areia formava o centro da fogueira. Ao redor, tocos e gravetos armados desenhavam a base piramidal. Estopas embebidas em querosene preenchiam os espaços entre os tocos e aguardavam o fogo para estalar os gravetos. Um caipira de rosto chupado e braços finos jogava pontas de gravetos na fogueira. Alguns dormiam aos pés das árvores. McHurley caminhava de um lado para outro.

— Que horas são? — perguntou McHurley.

Passava das duas da manhã. Talvez fosse melhor voltar na noite seguinte. Talvez o monstro azul estivesse com a fome saciada. Talvez, se escondera com medo. McHurley encarou o caipira de rosto fino. Coçou a barba.

— Os covardes podem voltar — disse McHurley. — Eu não arredo o pé daqui sem ter tostado aquele couro azul.

Uma rajada de vento derrubou o chapéu de McHurley. As nuvens se aglomeravam sobre o lago, o reflexo da lua mostrava a água borbulhar. McHurley puxou o catarro e cuspiu verde. Os caipiras se postaram junto a John desacreditados no que viam. Com água pela cintura, a garota azul caminhava em direção a areia. McHurley ordenou que acendessem as tochas e seguiu para o canto da praia que a garota azul se dirigia.

— Cerquem a devoradora de vacas.

Os quatro homens mais altos do grupo sacudiram a água com passos rápidos. Cercaram a garota azul apontando tochas.

— Chegou seu fim, filha do satã — gritou McHurley com veia do pescoço exposta. — A fogueira te espera.

— Parem — gritei. — Aqui está o verdadeiro culpado pela morte da tua vaca, McHurley.